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Ateísmo e paganismo
Podemos ter nossa opinião, sustentá-la e discuti-la, mas o meio de nos esclarecermos não é nos estraçalhando, processo pouco digno de homens sérios e que se torna ignóbil desde que entre em jogo o interesse pessoal.[1]
A história da humanidade mostra que ao longo do tempo o sentido das palavras vai mudando, e o que era proibido falar numa determinada época vira moda na outra, e vice-versa.
A palavra demônio, que ao tempo de Sócrates significava gênio, espírito, teve uma acepção terrível na idade média, e hoje não assusta nem as crianças.
Há pouco tempo as palavras morte, câncer, inferno, diabo, eram carregadas de mau presságio, e geralmente eram pronunciadas com um certo temor. Hoje fala-se abertamente sobre essas questões e empreendem-se todos os esforços para entendê-las.
Outras palavras carregadas de preconceito até pouco tempo, e talvez ainda hoje, para algumas pessoas, são as palavras ateísmo e paganismo.
Houve uma época da nossa história em que declarar-se alguém pagão era quase uma sentença de morte, como dizer-se cristão em outra era deslizar para a morte sem direito à defesa.
Mas os tempos mudam, as pessoas se esclarecem, e já não matamos ninguém por causa da sua crença ou da sua “descrença”. Dizemos isso em tese, pois ainda existe neste mundo alguns resquícios de fanatismo nas diversas áreas e de variadas formas.
Bem, mas vamos falar um pouco do significado dos termos ateísmo e paganismo.
Primeiro vejamos o que dizem os dicionários[2] sobre a palavra ateu: pessoa que não crê em Deus, que nega a existência de uma divindade. Arreligioso, descrente, irreligioso, materialista, não-crente. Seu contrário é: crente, deísta, religioso, teísta.
Agora vejamos a palavra pagão: relativo a uma religião politeísta (por oposição às religiões monoteístas: cristianismo, islamismo e judaísmo). Idólatra. Que tem fé numa religião pagã. Seu contrário: cristão, piedoso, religioso.
Em seu livro “O espírito do ateísmo, o filósofo ateu André Comte-Sponville sugere que existem dois tipos de ateus: o que nega a existência de Deus, e o que admite a existência de Deus, mas não crê nele.
Há uma diferença entre esses dois ateísmos, e isso importa para nossas reflexões. Negar a existência de Deus é simplesmente não admitir que ele existe, e ponto final. Aquele que assim acredita é ateu por sistema e é coerente em sua crença, pois se ele nega a existência de uma providência divina, não há nenhuma contradição dentro do seu sistema, já que para ele Deus não existe.
Ao contrário, aquele que admite a existência de Deus, mas não tem confiança na sua solicitude, na sua sabedoria, na sua providência, que não respeita as suas leis, esse, poderíamos dizer que é ateu prático.
Bem, aí está uma questão que talvez coloque muitos dos que dizem crer em Deus na situação de ateus práticos.
O não-crente, ou descrente, a rigor não existe. O ateu que nega a existência de Deus, crê que Deus não existe. Ele crê na não existência de Deus, portanto tem a sua crença.
Também há os cépticos, que são adeptos do Ceticismo, atitude filosófica que nega a possibilidade da certeza.
Mas o que podemos aprender com tudo isso?
O primeiro ponto é que todas as pessoas têm liberdade de consciência, liberdade de pensamento.
O segundo é que o homem civilizado pode até não concordar com as crenças dos outros, mas deve respeitá-las como deseja ver respeitadas as suas.
E é bom notar que há uma sensível diferença entre discordar das crenças, das opiniões, das ideias, e indispor-se com a pessoa que as expressa.
A liberdade de consciência é um dos mais valiosos tesouros, e ninguém deve ser dela privado.
Ocorre que muitas vezes desejamos obrigar a pessoa que tem uma opinião diversa da nossa a abandoná-la para adotar a que sustentamos, como se fôssemos senhores da verdade. Ou, ainda, passamos a detestar quem deseja nos convencer das suas opiniões.
Se somos ateus, teístas, religiosos, arreligiosos, cépticos, antes de tudo somos seres humanos, com direitos iguais e livres no campo do pensamento, da consciência. Por que deveríamos nos detestar por causa de uma opinião, de uma ideia contrária à nossa? Aliás, se nossa crença é sólida, porque temer? Só tememos expô-la ou perdê-la quando não estamos seguros.
A humanidade já derramou tanto sangue por causa de controvérsias políticas, religiosas, filosóficas, que é tempo de admitir que a melhor virtude para cicatrizar essa mácula é a humildade. O humilde é aquele que tem sempre uma certeza: “posso estar errado.”
Bom seria se o sonho de igualdade, fraternidade e liberdade se tornasse realidade em nossos dias, e que as ideias não sejam mais causa de inimizades e dissensões.
Que uns escolham como seu Criador a Inteligência suprema que criou o Universo, a que chamam Deus, e outros escolham ser filhos do Acaso, mas que nos amemos e nos respeitemos como serem humanos que somos todos nós.
Se é a verdade que buscamos, venha ela de onde vier, nós a aceitaremos. Se o que desejamos é ter razão, que seja.
Plutarco, filósofo que viveu no primeiro século da era cristã, referindo-se aos aduladores, aqueles que concordavam com tudo o que ele dissesse, para agradá-lo, escreveu num de seus textos: Esse é um ofício que minha sombra me presta bem melhor. Eu quero homens que busquem comigo a verdade, e que me ajudem a reconhecê-la.[3]
Equipe Filosofia no ar / TC 16/12/2010
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