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A JUSTIÇA
A justiça consiste no respeito dos direitos de cada um.[1]
Platão se propôs, em seu livro intitulado A República, o estudo do justo e do injusto. Seu intento era demonstrar a necessidade maior de, tanto para o Estado como para o indivíduo, regrar toda a sua conduta com base na justiça, isto é, na virtude, ou seja, sobre a ideia do bem, princípio da boa ordem das sociedades e das almas, fonte de felicidade pública e privada.
Considerando primeiramente o Estado como uma pessoa moral, em tudo semelhante, guardadas as proporções, a uma pessoa humana, Platão faz ver em grandes caracteres a natureza essencial da justiça e seus efeitos imediatos: é seu ideal de uma sociedade perfeita e feliz, em que a política está subordinada à moral.
Depois ele empreende a mesma busca, com relação à alma, dessa espécie de governo individual, o que o conduziu ao mesmo resultado: o ideal de uma alma perfeitamente regrada e perfeitamente feliz, porque ela é justa.
Daí a consequência de que o Estado, ou o indivíduo que inspira seus atos num princípio contrário à justiça, estará tanto mais desregrado e ao mesmo tempo proporcionalmente mais infeliz, quanto mais injusto for.
Assim é a lei das sociedades e das almas: que as suas virtudes estão ligadas à felicidade, como sua infelicidade a seus vícios. Essa lei tem sua sanção suprema numa vida futura, sanção cuja ideia conduz Platão a provar, no último livro de A República, que nossa alma é imortal.[2]
Tendo como base de sua filosofia a existência de Deus, a imortalidade da alma, a reencarnação, o livre-arbítrio, Sócrates e Platão foram os precursores da doutrina ensinada por Jesus cerca de quatrocentos anos mais tarde.
Em sua alegoria do Fuso da Necessidade[3], Platão imagina um diálogo entre Sócrates e Glauco e atribui ao primeiro o discurso que se segue, sobre as revelações de Er, o Armênio, personagem fictício, segundo todas as probabilidades, embora alguns o tomem por Zoroastro.
Compreende-se facilmente que a descrição não passa de um quadro imaginado com o objetivo de desenvolver a ideia principal: a imortalidade da alma; a sucessão das existências; a escolha das provas por efeito do livre-arbítrio; enfim, as consequências felizes ou infelizes da escolha, por vezes imprudente.
“O relato que vos quero fazer”, diz Sócrates a Glauco, “é o de um homem de coração, Er, o Armênio, originário da Panfília. Ele tinha sido morto numa batalha. Dez dias depois, quando levavam os cadáveres já desfigurados dos que com ele haviam caído, o dele foi encontrado são e intacto. Transportaram-no para casa, a fim de fazerem os funerais, e no segundo dia, quando estava sobre a fogueira, ele reviveu e contou o que tinha visto na outra vida.[4]
Não cabe aqui reproduzir tudo o que relatou o Armênio, apenas destacaremos alguns pontos que interessam ao nosso tema:
- a sobrevivência da alma após a morte;
- a reencarnação;
- o livre-arbítrio usado na escolha das provas pelas quais se quer passar na existência terrena;
- as consequências das escolhas, que podem ser felizes ou infelizes, e que são de inteira responsabilidade do indivíduo;
- o esquecimento do passado durante a vida no corpo;
- o bom gênio, ou Anjo guardião, que auxilia o Espírito na escolha das provas e o acompanha durante toda a sua existência no corpo.
Eis os principais pontos de que trata Platão, no último livro de A República.
A doutrina da reencarnação era ensinada na Grécia bem antes de Sócrates e Platão, pelo Orfismo e por Pitágoras.
Siddhartha Gautama, fundador do Budismo, também ensinou a lei da reencarnação. Os Hindus, nos seus livros sagrados chamados Vedas, (ou conhecimento), mais de mil anos antes da nossa era ensinavam a reencarnação.
Cícero e Virgílio, intelectuais romanos, eram adeptos da reencarnação e também a ensinavam. Depois deles, Orígenes, filósofo grego, também ensinou essa doutrina
A própria igreja Católica admitia a reencarnação até o ano 553. Nesse ano, por ocasião do quinto Concílio Geral da Igreja, em Constantinopla, e por ordem do imperador Justiniano I, a Igreja passa a rejeitar formalmente a reencarnação.[5]
No entanto, como uma lei natural não pode ser revogada pelos homens, a lei da reencarnação continua sendo uma resposta lógica para se compreender a justiça divina.
Depois de muito sangue derramado e de muitas fogueiras levantadas em nome do medo e da ignorância, a humanidade enfim compreendeu que matando os homens não se consegue matar as verdades eternas.
No século XIX, os “mortos” deram seu grito de liberdade, como a dizer: Seguimos vivendo! Não queiram nos tirar esse direito!
Tanto na América quanto na Europa, principalmente na França, houve uma grande manifestação organizada dos chamados mortos, e esse fato abalou a sociedade de então.
Pessoas de todas as classes sociais reuniam-se para constatar a veracidade das comunicações dos mortos com os vivos, pelas chamadas Tables Tournantes (Mesas girantes).
Tudo isso teria ficado apenas nos registros históricos daquele século, se as comunicações dos Espíritos não tivessem chamado a atenção de pessoas sérias, interessadas no conhecimento da verdade, como foi o caso do eminente professor Hippolyte-Léon Denizard Rivail.[6]
A princípio cético, Rivail constatou, após algumas observações criteriosas, que aqueles fatos eram de relevante importância para o conhecimento humano. Dedicou-se durante anos ao estudo dos fatos e à formulação de uma ciência a que denominou Spiritisme (Espiritismo).
Segundo o próprio Rivail: O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que decorrem dessas mesmas relações. Podemos defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.[7]
Tendo a reencarnação como um de seus pontos fundamentais, e como verdade constatada, a ciência espírita retira do campo das especulações essa lei natural e a explica à luz da razão.
A justiça e a reencarnação
E porque falamos de reencarnação, se nosso assunto é a justiça?
Bem, porque sem a sobrevivência da alma, sua liberdade de ação e consequente responsabilidade pelos próprios atos, não haveria justiça. Os homens maus poderiam cometer todos os tipos de injustiças e, após uma vida tranquila, e muitas vezes na abundância, morrer em paz, e estaria tudo acabado. Felizmente assim não é, e cada um recebe segundo suas obras.
Eis o papel fundamental da reencarnação. Todo aquele que faz o mal na Terra deverá voltar a ela para reparar o mal feito.
O filósofo norte-americano John Rawls, em sua obra mestra intitulada Teoria da justiça, publicada em 1971, afirma que: A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento.
Assim, se temos um sistema de pensamento, venha ele de quem vier e por mais bem elaborado que seja, se não produz a verdade deve ser rechaçado. Da mesma maneira, as leis e instituições de uma sociedade têm como função fundamental produzir justiça; se não o fazem, devem ser reformuladas.
Mas como conciliar os interesses dos homens, em sua maioria egoístas, para estabelecer a justiça?
Rawls propôs uma saída, a que chamou véu de ignorância. Como isso funcionaria?
Imaginemos uma mesa redonda em torno da qual várias pessoas estejam reunidas para formular leis que sejam justas para todos. Nessa assembleia hipotética todos os segmentos da sociedade estariam representados: teríamos políticos, empresários, operários, donas de casa, agricultores, servidores públicos, etc.
Como agir, se cada um quererá defender os seus interesses, muitas vezes em detrimento dos demais? É aí que o véu de ignorância de John Rawls entra, como uma boa solução.
As leis seriam estabelecidas pelos membros da assembleia, estando cada um sob o véu de ignorância, isto é, sem saber em que posição estaria no futuro. Assim, o político deveria legislar considerando que logo mais poderia estar no papel do agricultor, do professor, da dona de casa, etc. O mesmo se daria com todos os demais.
Pois bem, esse véu existe ao considerarmos a lei da reencarnação. Aquele que numa existência é homem, e cria leis que beneficiam homens em detrimento das mulheres, pode voltar numa outra existência como mulher e sofrer as consequências de uma legislação injusta.
Aquele que hoje é um governante e legisla em causa própria, sem pensar nos menos favorecidos, poderá voltar pobre e sem nenhum poder, para experimentar os efeitos das leis que ele mesmo criou. Obviamente ele lutará por reformular essas leis, que agora ele percebe não serem justas, e assim vai se dando o progresso das legislações humanas.
De fato, isso pode ser observado olhando-se o passado. A legislação humana vem melhorando sempre, embora haja quem diga o contrário. Isso graças à lei do progresso, que é outra lei natural.
A ideia de justiça vigente ao tempo de Sócrates, e que ele tanto combateu, consistia nestas duas máximas:
“É justo fazer bem a seus amigos e mal a seus inimigos.”
“A justiça é o que é vantajoso para o mais forte.”
Sócrates estabeleceu que o essencial da justiça é sabedoria e virtude, como o da injustiça é vício e ignorância.
O Sr. Rivail, criador da ciência espírita, perguntou aos Espíritos superiores: “Como se pode definir a justiça?”
- A justiça consiste no respeito dos direitos de cada um.
“Que é o que determina esses direitos?”
Duas coisas: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens formulado leis apropriadas a seus costumes e caracteres, elas estabeleceram direitos que podem ter variado, com o progresso das luzes. Vede se hoje as vossas leis, sem serem perfeitas, consagram os mesmos direitos que as da Idade Média. Entretanto, esses direitos antiquados, que agora vos parecem monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, pois, é acorde com a justiça o direito que os homens estabelecem. Ademais, este direito regula apenas algumas relações sociais, quando é certo que, na vida particular, há uma imensidade de atos unicamente da alçada do tribunal da consciência.
“Posto de parte o direito que a lei humana consagra, qual a base da justiça segundo a lei natural?”
Disse o Cristo: Queira cada um para os outros o que quereria para si mesmo. No coração do homem imprimiu Deus a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um deseje ver respeitados os seus direitos. Na incerteza de como deva proceder com o seu semelhante, em dada circunstância, trate o homem de saber como quereria que com ele procedessem em circunstância idêntica. Guia mais seguro do que a própria consciência não lhe podia Deus haver dado.”
Efetivamente, o critério da verdadeira justiça está em querer cada um para os outros o que para si mesmo quereria, e não em querer para si o que quereria para os outros, o que absolutamente não é a mesma coisa.
Não sendo natural que haja quem deseje o mal para si, desde que cada um tome por modelo o seu desejo pessoal, é evidente que nunca ninguém desejará para o seu semelhante senão o bem. Em todos os tempos e sob o império de todas as crenças, sempre o homem se esforçou para que prevalecesse o seu direito pessoal. [8]
Seria possível encontrar maneira mais de acordo com a razão e o bom senso para se entender a justiça?
Talvez seja, mas enquanto não a encontrarmos, essa nos aquieta o coração e a razão, pois nos mostra uma causa justa para o sofrimento e uma razão convincente para que optemos sempre pelo bem e pelas virtudes.
Equipe Filosofia no ar / tc 17/03/2012
[1] O Livro dos Espíritos, item 875.
[2] Conforme Œuvres complètes de Platon, trad. Dacier et Grou, tome septième, Paris 1869.
[3] Necessidade: do grego Anagke. Personificação da inexorabilidade do destino, força suprema a que os próprios deuses estavam sujeitos, filha de Cronos e irmã da justiça (Dike). Áiter (o Éter), Caos e Érebo eram seus filhos. Em Platão a Necessidade era mãe das Moiras. Mais tarde a Necessidade tornou-se uma divindade da morte, principalmente nas crenças populares. (Dicionário de mitologia grega e romana, Mário da Gama Kury. 8ª ed. Zahar, RJ.
[4] Revista Espírita, setembro de 1858 - Platão e a doutrina da escolha das provas.
[5] Elizabeth Clare Prophet, em Reencarnação, o elo perdido do Cristianismo, 2ª. ed. Editora Nova Era, 1998.
[6] Ao publicar o Livro dos Espíritos, que contêm a síntese doutrinária da Ciência Espírita, em 18 de abril de 1857, o Sr. Rivail, conhecido educador e escritor francês, adotou o pseudônimo Allan Kardec, com que passou a assinar as demais obras doutrinárias a partir de então, para não as confundir com suas demais obras de educação.
[7] Allan Kardec, O que é o Espiritismo, Preâmbulo.
[8] O Livro dos Espíritos, itens 875 e 876.
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