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A sabedoria de um camponês
A indagação sobre os valores é uma tarefa filosófica.
Morávamos numa propriedade rural. Meu pai, minha mãe e seus nove filhos. Eu era a sétima. Meu pai era agricultor. Nunca teve instrução formal. Aprendera apenas a escrever o próprio nome e a fazer contas de somar e dividir, como diz ele.
Tinha eu cerca de cinco anos de idade, quando tive uma das lições mais importantes para me conduzir na vida. É claro que demorei alguns anos para entender o que aquela lição significava, mas hoje compreendo muito bem.
Criança que era, não tinha noção do significado da palavra honestidade. Então, um dia cheguei com uma pequena xícara de porcelana que havia encontrado no quintal de uma vizinha que morava distante de nossa casa uns 10 km, que de tempos a tempos íamos, com a nossa mãe, visitar.
A xícara estava toda suja de barro e trincada nas bordas, e talvez fosse por isso que tinha sido jogada. E como estava jogada, eu a tomei para mim. Afinal, era um objeto diferente das canecas esmaltadas que tínhamos em casa.
Quando meu pai me viu brincando com aquele objeto estranho, já limpinho, logo me perguntou: “Onde você achou isso?”
Eu tremi nas bases, porque para mim não era apenas uma pergunta, mas também uma acusação...
Respondi prontamente: “achei jogada no quintal da casa da D. Maria, e trouxe pra brincar.”
- E você pediu para a dona da casa se podia trazer?
- Não, respondi.
Então meu pai ordenou: “Pois trate de devolver na próxima vez que for lá, ou vier alguém de lá aqui, porque isso não lhe pertence.”
E eu retruquei: “Mas tava jogada no chão, toda suja, pai.”
“Não importa, disse ele, o que é dos outros, é dos outros, e se você não pediu permissão para pegar, devolva ao dono”.
Foi uma lição dura, mas importante...
Estava eu, então, com um produto roubado em minhas mãos, esperando o dia de me denunciar e devolvê-lo aos donos... imaginem o desespero!
O que iria fazer com a vergonha, quando tivesse que ficar cara a cara com a D. Maria e lhe confessar que naquele dia em que ela gentilmente nos recebeu, nos deu comida, atenção, no momento de ir embora eu me apoderei de algo que lhe pertencia?!...
Bem, comecei a torcer para que a mãe nunca mais fosse visitá-la e que ninguém da sua casa viesse até nos, ou que o pai esquecesse aquela desgraça.
Não sei ao certo o que aconteceu, mas não tive que passar por aquela dura prova. E asseguro que aquela lição ficou para o resto da vida... uma boa lição, digo hoje.
O tempo passou, minha família se mudou para a cidade, e eu tinha então cerca de dezesseis anos quando aconteceu outro fato que também foi uma grande lição.
A situação financeira lá em casa estava difícil, mas isso não era novidade. O pai, que sempre foi muito previdente, mesmo passando muitas dificuldades, agora enfrentava a falta de dinheiro para comprar o necessário.
Então, como eu sabia que ele havia emprestado, havia algum tempo, um bom dinheiro a um de seus cunhados, lhe falei: “Pai, como o Sr. mesmo nos ensinou, o que é dos outros é dos outros, mas o que é seu é seu.”
Já não passou do tempo de o “Tio” devolver, pelo menos uma parte do dinheiro que lhe pediu emprestado?
“Sim, respondeu ele, calmamente, mas ele não fala mais daquela dívida.”
E eu insisti: “mas então porque o Sr. não cobra dele esse valor, já que estamos com dificuldades?”
E o velho sábio me respondeu: “Bem, se ele não me pagou até hoje é porque não tem dinheiro, e nesse caso não adianta cobrar; mas se ele tem dinheiro e não me paga, não adianta cobrar, porque nesse caso, além de perder o dinheiro eu perco também o amigo, e o prejuízo será maior...”
Confesso que fiquei indignada com aquela situação, e ousei perguntar: “pai, o Sr. tem alguma nota promissória assinada por ele?”
“Pra quê?”, perguntou.
“É uma garantia para cobrar essa dívida, respondi.”
E ele falou: “A única garantia que um homem pode oferecer é sua palavra. Se ele não honra sua palavra não será um papel que vai honrá-la.”
Assim eu fui aprendendo com essa alma boa, que sempre foi para todos os seus filhos um exemplo de dignidade, de honestidade, de previdência, de honradez.
Não pede dinheiro emprestado, não deve a ninguém o seu sustento, nada exige de seus filhos.
Aos noventa anos de idade, uma cabeleira basta e alva como a neve, ele é um homem feliz. Um homem simples, semianalfabeto, mas de grande sabedoria.
Sua casa é pequena e singela, mas tem sempre lugar para quem chega, não importa quem seja. A todos ele recebe com um sorriso convincente e com atenção sincera.
A dor alheia o preocupa, pois ele conhece a dor de perto. Talvez seja por isso que aprendeu a arte de curar os outros, por meio do que vulgarmente se conhece por “benzimentos”.
Faça calor, faça frio, seja fim se semana ou feriado, para aliviar a dor alheia o velho está sempre animado.
Filosofia no ar / tc 04/08/2012
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