CONFIRA OS TEXTOS: |
MAIS LIDOS |
DESTAQUES |
A GRATIDÃO
O orgulho não quer dever, e o amor-próprio não quer pagar.
La Rochefoucauld
No livro Pequeno Tratado das grandes virtudes, de André Comte-Sponville, há um capítulo sobre a gratidão, que nos dá uma boa visão sobre essa virtude tão importante e, por vezes, tão esquecida. É nesse texto que vamos basear algumas reflexões[1].
Sponville começa dizendo que “a gratidão é a mais agradável das virtudes; não é, no entanto, a mais fácil.”
E por que uma virtude tão agradável seria difícil de ser praticada?
Talvez seja porque para se ser grato é preciso que haja reconhecimento, para o que se faz necessário abrir mão do egoísmo.
Reconhecer, por exemplo, que se está feliz, é fácil, mas admitir que deve essa felicidade, ou parte dela, aos outros, talvez seja um grande problema para o egoísta.
Podemos até saber que devemos a alguém uma parte das nossas conquistas, o que prova que somos sensíveis, mas para admitir isso é preciso mais que sensibilidade, é preciso estar disposto a compartilhar o bem com o qual nos felicitamos.
Diz Sponville: “Agradecer é dar; ser grato é dividir. Esse prazer que devo a você não é apenas para mim. Essa alegria é a nossa. Essa felicidade é a nossa. O egoísta pode alegrar-se em receber, mas sua alegria é seu bem, que ele guarda só para si. Ou, se o mostra, é mais para fazer invejosos do que felizes: ele exibe seu prazer, mas é o prazer dele. Já esqueceu que outros têm algo a ver com isso. Que importância têm os outros? Por isso o egoísta é ingrato: não porque não goste de receber, mas porque não gosta de reconhecer o que deve a outrem, e a gratidão é esse reconhecimento.”
Os pássaros trabalham cantando, e podemos dizer que em sua simplicidade são gratos e obedientes ao desejo daquele que os criou. Agradecem com o trabalho, com o canto, com a utilidade que lhes é possível. As flores oferecem seu perfume e sua beleza como reconhecimento ao seu criador. O cão, reconhecido pelos cuidados que recebe do seu dono oferece a ele sua fidelidade, sua proteção e, por vezes, a sua própria vida.
Então, podemos dizer que a gratidão não é uma virtude passiva, mas ativa, dinâmica, que retribui em ações o que recebe, como se refletisse em si mesma os benefícios de que é portadora.
No entanto, não devemos confundir gratidão com retribuição de uma cortesia. A retribuição nem sempre é desinteressada, pois geralmente se retribui um presente ou um favor com a intenção de merecer recebê-los novamente. Gratidão é doação, é abnegação.
Então, “o que a gratidão dá? Ela dá a si mesma: como um eco de alegria; por isso ela é amor, por isso ela é partilha, por isso ela é dom. É prazer somado ao prazer, felicidade somada à felicidade, gratidão somada à generosidade… O egoísta é incapaz disso, pois só conhece suas próprias satisfações, sua própria felicidade, pelas quais zela como um avaro por seu cofre. A ingratidão não é incapacidade de receber, mas incapacidade de retribuir - sob a forma de alegria, sob a forma de amor - um pouco da alegria recebida ou sentida. É por isso que a ingratidão é tão frequente. Nós absorvemos a alegria como outros absorvem a luz: buraco negro do egoísmo.”
Ser grato é reconhecer que sem o mundo que nos rodeia não seríamos o que somos, não teríamos o que temos. “Como não agradecer ao sol por existir? À vida, às flores, aos passarinhos? Nenhuma alegria seria possível para mim sem o resto do universo (pois, sem o resto do universo, eu não existiria).”
A melhor forma de expressar gratidão a uma alma nobre, a um sábio que nos legou exemplos de virtude, é viver seus ensinos, é fazer valer o que recebemos, é fazer florescer e frutificar em nós as sementes que ela espalhou.
O egoísta absorve o que recebe, como um buraco negro, a pessoa grata reflete na vivência os benefícios que recebe.
A gratidão, como virtude, não significa troca de favores, pois nem sempre quem nos favorece precisa de um obséquio nosso, mas é espalhar os benefícios onde quer que estejamos, como as flores rescendem seu perfume não importando se quem o aspira é santo ou bandido.
As pessoas virtuosas fazem o bem mesmo recebendo como paga a ingratidão, como foi o caso de Jesus e de tantos outros.
No entanto, se já não é fácil ser grato por um benefício recebido, tanto mais difícil é fazer o bem quando se recebe como paga a ingratidão.
Certo dia um sábio escreveu: Ouve-se constantemente dizer que a ingratidão com que somos pagos endurece o nosso coração e nos torna egoístas. Falar assim é provar que se tem o coração fácil de ser endurecido, uma vez que esse temor não poderia deter o homem verdadeiramente bom.[2]
A gratidão é uma das virtudes filha da humildade. A pessoa humilde agradece por tudo o que lhe é concedido: pelo ar que respira, pela família, pelos amigos, pelos inimigos, enfim, dá graças pela vida.
Quantas vezes não somos beneficiados por um desconhecido?
Quantas providências são tomadas no dia-a-dia, e das quais nos beneficiamos sem jamais sabermos de onde vêm?
Ser grato, portanto, por tudo e a toda hora, é atitude de sabedoria, como disse o Apóstolo Paulo.
Talvez seja um pouco dessa ideia que Khalil Gibran quis expressar nesta frase:
“Aprendi silêncio com os falantes, tolerância com os intolerantes e gentileza com os rudes. E, coisa estranha, ainda sou ingrato para com esses professores...”
Equipe Filosofia no ar / TC 24/06/2010
|
|
|
|
|
|